[os que seguem]

domingo, 20 de dezembro de 2009

A casa parecia a imensidão de seu coração [Cap. V] - Fragmentos

Capítulo V

Fragmentos

Nunca foi, também, de ter muitos amigos e conhecidos. Tornou-se uma sombra por onde andava. Seu impoluto visual o destacava, é bem verdade, mas logo se perdia na multidão. Era aplicado, mesmo com suas limitação, nas coisas que se propunha a fazer. Os poucos com que falava lhe eram até razoáveis, pois via neles um pouco dos mesmos sentimentos que carregava.

O dia se passa lento. Seu maior desejo é que ele acabe para que se refugie em sua casa. Acaba. Toma o ônibus. Dia chuvoso e frio. Ele gostava desse clima. Mais um dia cinza. No ônibus percebe sua vizinha, amiga no tempo de infância. Ele percebe que ela o percebe. Mas não ensaia qualquer movimento para cumprimentá-la. Senta. Coloca seus fones de ouvido e mergulha em seus devaneios.

Natal de 1980. Quatorze anos de idade. Lembra-se de como foi bom todas as horas desse dia. Tinha para si que realmente aquele foi o melhor dia da sua vida. Todos, absolutamente todos, estavam felizes e era sincero o estar feliz. Acordou cedo para ajudar nos preparativos: conferir a árvore de Natal era das suas tarefas a favorita; ajudar com a preparação da ceia, era muito divertido, sempre sobravam os restinhos para comer e sempre se fazia muita sujeira e, parece que sujeira atrai os com alma de criança; comprar lenha para a lareira com seu pai no velho pick-up; tudo era bom.

As gotas de chuva caem na janela do ônibus e fazem desenhos ininteligíveis, mas que para ele eram rostos, formas geométricas, lugares, paisagens. Aproxima-se do seu ponto de chegada. Desce do ônibus e lança um olhar meio de lado, já saindo, para a garota, sua vizinha. Ela o observa atentamente, como se decorasse seus movimentos. Menina recatada, tímida, era ela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário