[os que seguem]

quinta-feira, 17 de março de 2011

Seguimento

E a vazia estante que é humana, sólida, espera conteúdo. E na espera o ser encantado que é humano, clama por justiça. Que julga o inocente e o culpa. E o piano de oito teclas, com oito sons, de oito vozes, que gritam num silêncio profundo por algum resquício de liberdade. Que foge entre os dedos dos mais fortes guerreiros. Que lutam em vão por um pedaço de glória e reconhecimento. Reconhecidos por quem não dá a mínima. Reconhecimento vazio, de seres vazios, numa estante com pratilheiras empoeiradas de sonhos e liberdade que escorre por entre os dedos de guerreiros que envelhecem em um mundo paralelo ao mundo que é real. Que engole o fraco, exalta o rico e deixa morrer os velhos. Que dormem em camas frias, num quarto frio, com um vento frio e vozes frias. Que dizem aos seus filhos que o sonho é erro. Que o sonho vira pó. Que o pó vira poeira numa pratilheira velha de uma estante vazia. E vazia segue inexorável. E o tempo, o velho vilão de outrora, que a tudo consome, que a tudo cinza, vazio deixa na estante vazia. O velho vazio temporal congestiona e empilha os pensamentos azuis celestes e sonhos empoeirados numa velha estante com pratilheiras empoeiradas de sonhos velhos mortos como pele pelo tempo. Que agora, depois de tanto tempo, nem é tão forte. O tempo de tão velho e de tão entediado acaba por morrer. E o que não foi dito vira pó. E o que foi dito vira pó. E o pó inalado por novos vazios rostos com semblantes vazios é alimento para corpos vazios e novos. E o velho sonho pó é de novo respirado. E o tempo novamente volta ao seu labutar eterno e infinito. Mas agora o tempo é dele. O tempo dele. No tempo dele. E o sonho que era menos agora é mais e mais. E a estante que de tão velha se confundia com a poeira que a possuía, agora é cheia, mas com espaços vazios. Agora a justiça é luta. E a luta é suor. E o reconhecimento que antes era vazio é cheio. E o reconhecimento é dos seus e de si. E a liberdade é sentida, mas não alcançada. É sentimento e não mais vazio que corre. E o piano de oito sons, com oito vozes, que gritam em silêncio profundo, é um berro estridente de sentimentos. E agora o ser sente e vê e sente e sente e fala e fala, pois sente. E sabe. Agora o vazio é sabedoria. É sabido que é do vazio que se preenche e se torna o cheio. E o cheio é meta. E o caminho é o cada dia. E a cada dia o sentimento e a vontade de sentir são mais fortes. E da força de se sentir e querer sentir e querer ser mais sem sentido, mas ser mais, e dessa falsa liberdade livre que se pode segurar e desses todos sonhos e todas as vontades de sonhos realizados e tudo isso, tudo isso, é o amor que pulsa num corpo que vive e que grita: eu quero vida!

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